Na brisa que passa por seu
rosto reside o olhar responsável por dar vida ao estado mental que inunda a sua
mente. Um olhar profundo, firme. Focado. Parte de quem o observa entende que,
por ter um olhar compenetrado, há uma profundidade inerente ao comportamento
representado na linguagem dos olhos. Não. É mais do que isso, é a representação
corporal única que identifica o quanto alguém é capaz de inconscientemente
representar no mundo observável o que se passa dentro das suas faculdades
emocionais.
Em meio ao monótono som do
motor – um ronco alto, potente, hipnótico –, do trepidar dos pneus na pista,
correndo a um velocidade altíssima, deslizando, com a habilidade que lhe fora
adquirida, nas curvas de Monte Carlo, em 1988, mês de maio do dia 14, encontrava-se
ele, o piloto, num transe hipnótico, um estado onde ele percebeu que não estava
mais dirigindo conscientemente, estava ele, para si próprio, numa dimensão
diferente do plano real – o circuito era como um túnel que ele ia indo, indo, indo
até perceber que o carro era a extensão do seu corpo, que já não ouvia mais o
som do motor como um ruído emitido da máquina, mas sim como do próprio corpo. Não
era mais um ruído real, mas como um som de fundo, uma trilha sonora que narrava
o percurso que ele não mais consciente estava de que era algo além da sua mente
a responsável por leva-lo à linha de chegada. Em meio ao transe, na confusão
inaudível das vozes abafadas pelo ronco do motor residia aquele olhar, a única
amostra capaz de dar vida ao seu intento.
Como é possível que algo tão
impronunciável seja capaz de ser entendido mais que tantas palavras? Parece que
se imagens valem mais que mil palavras, um olhar equivale a algo incontável,
como se palavras, na tentativa de descrevê-lo – o olhar – fossem incapazes,
talvez, de expor o que por trás do olhar reside: a mente determinada a atingir o
objetivo, o olhar certeiro que faz de tudo ao seu redor ser uma peça figurante,
um plano de fundo onde o único foco é, enfim, o sonho.
O que, por trás do olhar, foi capaz
de provocar tal reação – a de ser determinado? Disse José Carlos de Azeredo uma
vez que o ser humano é capaz exercer a condição de transformar experiências de
mundo em objetos de conhecimento. O olhar, portanto, é a janela para a
experiência de mundo; a fresta na parede do inconsciente que dá luz na
escuridão dos pensamentos, a ponte para entender que não basta o objeto de
conhecimento, como também a experiência que o originou. Pois da fina ponta do
presente às reações, de quem o olhar possui, se desencadeiam de um passado –
uma história de vida –, influenciada pelo ambiente que o circunda, inserido em
seu contexto sociocultural. Não termina aí, pois o Homem não é escravo dos circunstâncias,
mas sim de suas escolhas, ou melhor, da liberdade de exercê-las, todavia, certo
de que, no lugar que se encontra, onde no contexto há variáveis que implicam em
sua esfera íntima, o Homem do olhar determinado considera a escolha frente as
suas limitações.
Ao olhar um catador de lixo, um
pai de família que passou 15 anos sem estudar assustou-se com o pensamento de
que um dia, caso não agisse, poderia se tornar aquele catador, em sua imagem e
semelhança: um derrotado, um renegado, depressivo, inerte, privado de
oportunidade – não importando se por si ou por quem for. Diante da visão que o
chocou, o pai voltou a estudar, mas voltou determinando. Seu olhar nunca foi mais
o mesmo, seu olhar mudou. Hoje é um bom engenheiro, professor e contribui
regularmente para que as pessoas não se tornem pobres de espírito.
Em 1950, George Reader foi a
primeira pessoa a ser ouvida em 16 de julho; quando 199.854 pessoas ouviram do
apito de George no Maracanã a sinalização de que Ghiggia, jogador do Uruguai,
havia feito o gol da virada do Uruguai sobre o Brasil na copa do mundo. No
rádio, o pai chorava. Ele lembrou do seu pai chorando, aos prantos pela
derrota; ficou preocupado porque lhe fora ensinado que homem não chora, que
homem é forte. Viu no pai a reprodução da derrota estampada na cara dos
jogadores – coitado do Barbosa, um dos melhores na época só é lembrando pelo
gol da virada que tomou, um peso que carregou até o fim de sua vida quase
cinquenta anos depois. Só restava ao filho, vendo o pai desastrado prometer
algo: que ele iria ganhar uma copa do mundo pra ele. Em 50, aos 9 de idade,
quem disse foi Edson Arantes do Nascimento, em 58, aos 17, foi Pelé, o campeão
do mundo. Seu olhar nunca foi mais o mesmo, seu olhar mudou. Depois daquele dia,
em 50, emergiu das lágrimas do pai a determinação do filho que mais tarde se
consagraria como o maior de todos os tempos.
Pode ser durante a pilotagem de
um carro ou escrevendo um livro, pulando de paraquedas ou lecionando, jogando
videogame ou futebol, tocando um violão ou cantando uma música, pode ser em
qualquer atividade, todos assumem em algum momento um meio para revelar o olhar
introspectivo da determinação; todos, em algum suspiro da vida, irão descobrir,
por mais momentâneo que ainda possa ser, a magia da determinação. Ela está em
todos os lugares, é uma energia manifestada pelas conquistas de cada indivíduo.
É o olhar do Ayrton, do Michael Jordan, do Pelé, do Michael Johnson, da Marilyn
Monroe, da Ayn Rand, da Maya Gabeira. É o olhar de todos que munidos de suas
experiências de vida, transformam em energia para triunfar e não se ajoelhar às
vicissitudes da vida.
Cada um munido de suas
limitações, experiências de vida, constitui um ser bio-psico-social, como já
teorizou um russo de nome Lev Vygotsky. Reside no âmago emocional de cada
pessoa – mulher ou homem, criança ou adulto, jovem ou idoso – as motivações
para se tornarem quem desejam ser. Cedo ou não, nunca é tarde para ser o que
poderia ter sido. Mais certo é que está lá, o olhar determinando [a algo] que é
o objeto de conhecimento e esconde as experiências de vida que motivaram cada
um e reside no olhar de quem cobra uma falta em direção ao gol; de quem dirige
um carro embaixo de chuva, e com câmbio quebrado, em seu país natal, em busca
de uma vitória; de quem ensina engenharia para uma turma desinteressada; de
quem educa o filho; de quem pratica o bem ou o mal; de quem discursa para 2 ou
2.000 e até de quem carrega a arma e vai à guerra.
Alguns podem clamar um mistério
no olhar de quem é determinado, mas tal clamor não passa quiçá de uma
especulação incompreensiva da incapacidade de entender que por trás dos olhos
esconde a força que move o mundo: a motivação humana.
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