O Brasil civilizado de um dia

Revolta, protestos e decadência: manifestantes do Passe Livre protestam por melhores condições de uso e acesso ao transporte público queimando um ônibus. Crédito: Rodrigo Lôbo/JC Imagens/Folhapress 
De tempos em tempos fatidicamente acontece na sociedade algum acontecimento lamentável. O ser humano, acometido pelo peso da fatalidade, é bombardeado pelo surgir dos Oráculos da Verdade que, imbuídos de suas ideologias, descarregam a todos os outros suas convicções sobre não só a tragédia, mas da origem e os rumos em que, à luz do desastre, corre a sociedade. Alguns inclusive, ironicamente, se solidarizam. Algo como um lobo em pele de cordeiro ir abraçar uma ovelha em solidariedade pela perda de sua filhotinha.

Hoje, os extremistas que dominam o espaço na mídia, arrotam para si a certeza de que suas ideologias são o melhor rumo para a estruturação de uma sociedade próspera. Esse não é o maior perigo. O perigo está na polarização do debate onde o "nós aqui desse jeito que pensamos não aprovamos pessoas como você, lá do outro lado, como dignas de serem ouvidas". O apelo ao extremo na sociedade brasileira tem sido constante e o exercício de valores como o respeito e alteridade nem sempre são levadas em conta quando alguém busca defender seu ponto de vista. E mesmo quem pratique os valores, aqui antes mencionados, pode logo sofrer com os males dos intolerantes: a patrulha, a injúria. Alguns cedem e acabam lavando a mão com lama.

Diante das injustiças no cotidiano observável de sua vida rotineira e desamparado pelas instituições cuja prerrogativa reside em defendê-lo dos males que perplexo assiste, o cidadão comum acaba rasgando o substantivo ao qual lhe confere condição de ser identificado como "aquele no gozo de direitos civis e políticos de um Estado Livre" e passa a ser apenas um rebelde comum, um objeto de análise dos extremistas. Rasgou a cidadania para ser instrumento do laboratório ideológico dos extremistas. Descrente das instituições que deveria defendê-lo, o cidadão - não assim sendo, mas assumindo que existe resquícios disso - toma as dores da injustiça para substituir o trabalho das instituições que parecem ter falhado. Aonde falhou? O que fazer?

Elementos tidos como preponderantes na manutenção do convívio social justo são sempre utilizados por extremistas. Igualdade, liberdade, isonomia, justiça social, erradicação da pobreza, prosperidade econômica são alguns exemplos dos termos objetificados pelos sustentáculos dos opinadores extremos. Até que ponto o cidadão comum, munido de seu julgamento, é ouvido sem que antes seja pisoteado com ameaças dos que ocupam o poder?

Com licença então. Recorrerei, com o cuidado de não ser extremo, a uma crença; a uma tentativa de fazer prevalecer o pouco de civilidade que ainda vejo existir. Ela foi elaborada por Mark Skousen, quando sentenciou que "o triunfo da persuasão sobre a força é o sinal de uma sociedade civilizada". 

Quando um dia teve em mãos o livro Adventures of Ideas do Professor Alfred North Whitehead, Skousen pegou-se em atenção no seguinte parágrafo para chegar a conclusão mencionada acima:
“A criação do mundo [civilizado] – disse Platão – é uma vitória da persuasão sobre a força (...). A civilização é a manutenção da ordem social, por sua própria persuasividade inerente tal qual incorporando suas alternativas mais nobres. O recurso da força, de alguma maneira inevitável, é a revelação da fracasso da civilização [ou civilidade], tanto na sociedade em geral ou nos seus poucos indivíduos.”
Nem de perto o Brasil é, ou um dia foi, uma sociedade civilizada. Mas haverá de um dia ser, quando o cidadão tomar conta que o estado que o Estado está é resultado da sua omissão de civilidade que é ou por consequência de sua ignorância ou por sua conivência. Com o tempo, saberá que só pela prática daquilo que nunca exerceu, triunfará  para que não sofra dos males que um dia acabou perpetuando, sem saber que ele mesmo foi o responsável direto pela desgraça que condena.

Tenha pensamento crítico, cidadão, e saiba, assim como William Graham Summer um dia disse, que “a educação na capacidade crítica é a única educação da qual pode-se verdadeiramente dizer que forma bons cidadãos”.

2 comentários

  1. A Rachel Sheherazade que o diga né rsrs....
    E sempre existirá a caça e o caçador, principalmente nos dias de hoje sendo a informação a nova arma da nossa modernidade. É fato que a educação do povo é um grande agravante no que tange a interpretação dos fatos. Seja na política, futebol ou em qualquer outra área, existe uma grande ignorância e marginalização das pessoas menos "esclarecidas".
    Ótimo texto.. manda mais !

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    1. Valeu pelo elogio e comentário! Isso me motiva cada vez mais!

      Rachel, Jean Wyllys, Bolsonaro etc. são reações extremas que polarizam a o discurso e transformam a complexidade da vida em debate político dos extremos. A grande educação que falta, Lucas, é a que você bem apontou: a educação que vai além da condição de conhecimento. Não é a moral, mas a educação crítica - a busca de pensar por si e ter um fundamento lógico nas opiniões.

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