A Auto Consagração de um Ex Abnegado Corporativo

 A sua vida é ser cobrador. Você não nasceu para estudar, você vive para ser peão e aceite esse fato!

Sidney é uma pessoa comum; ele cresceu, teve seus sonhos e seus percalços durante o curso da sua história. Por alguma razão, sabe-se lá o quê, ele se tornou cobrador de uma rede intermunicipal onde operava entre as cidades de Salvador e Camaçari. Vivia uma rotina obscura, em um emprego que, segundo ele, apenas serviria para não passar fome, a qual tanto temia.

Pois bem. Em uma dessas epifanias, talvez por causa do contato diário com as simplistas operações aritméticas que lhe eram delegadas, Sidney decidiu fazer vestibular. Logo para que? Sim, p’ra Matemática. Apostou com o deboche de que lhe era característico diante de uma decisão dessas nessa fase da vida, pois viria a tentar a sorte ao assinalar no bendito dia da prova qualquer resposta a qual lhe parecia ser a certa. Algo digno de prêmio no Congresso Internacional de Achismo Científico.

O homem que não sabia uma equação de primeiro grau, passou. Por alguma razão, seja qual for atribuída ao feito, Sidney sabia que inteligência não seria uma delas. Ele mesmo não compreendia o feito, duvidando, com razão, o como era possível ser aprovado mal sabendo as simples operações matemáticas. Mas, encarando a escolha, assumiu a coragem de seguir em frente.

Do calar da manhã ao se pôr da tarde o Rapaz não descansava. Se empolgava com cada equação que resolvia. Bem sabia da alegria que com tanto esforço das noites de sono perdidas por conseguir finalmente resolver uma equação de primeiro grau. Mas não parou por aí. A cada novo problema, surgia um próximo. Cada dificuldade, ele aceitava o desafio e buscava resolver as questões. O Rapaz se envolvia com tudo aquilo e não parava de pensar nas possíveis soluções de cada desafiante questão nem quando dava o troco durante as viagens intermunicipais: a propósito, troco esse que nem era mais motivo de demora. Ele sentia a introspecção e a sensação de dever realizado a cada letra de cada exercício, o Rapaz caçava questões nos livros para procurar o próximo desafio em que pudesse ficar horas, dias ou talvez semanas e quiçá meses para responder com o suor da dedicação.

Foi a duras custas que ele estava aprendendo. Sidney perdeu em muitas matérias, acabou saindo de algumas porque sabia que não daria pra continuar por conta da dificuldade e então focava no que estava conseguindo e ignorava as perdas, não se abalava. Até que um dia recebeu sua escala de horários onde o colocou para trabalhar no exato horário em que tinha aula. O que aconteceu? O Rapaz ouviu o que se lê na primeira frase do texto. Mas o que ele respondeu?

–  O que? Me demita! Eu vou te mostrar do que posso!

Loucura? Talvez. Mas a fome que Sidney temia passou a existir por duros 15 dias de desempregado. Como Ulysses punido por Posseidon por duvidar dos Deuses, Sidney sofria o mesmo por ter autoconfiança. Estava pagando o preço da escolha de finalmente não aceitar ser medíocre. E foi premiado: recebeu três propostas para estágio como professor de matemática em três escolas diferentes ganhando mais do que quando era cobrador e ainda trabalhando menos.

Sidney se auto consagrou diante de uma ilusão social opressora. Quem teve o preconceito e a prepotência não foi capaz de usurpar seus sonhos; ele ressurgiu enfrentando no olho da tormenta os salafrários que queriam ponderar sobre o que era certo na sua vida e ele foi além: construiu um muro impeditivo para transferências de limitações alheias. Nem mesmo precisou ler Winston [Churchill] para entender que a qualidade que o elevou a vitória suplantou todo o resto de suas conquistas. A empresa intermunicipal que trabalhava faliu, mas Sidney não; Sidney não é milionário, mas é rico. Entendeu o significado da palavra decisão; Sidney se autoconsagrou ao posto de professor quando antes era um abnegado sujeito à gerência do chicote. Sidney hoje é professor da sua antes maior deficiência. E Sidney venceu.
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7 comentários

  1. É o tipo de historia que deixa socialistas indignados, e estes já partem para desqualificar o protagonista, dizendo que é a exceção.

    Mas são exceções porque tiveram algum mérito que outras pessoas, por mais que tenham se esforçado, não tiveram. Então o lance, ao menos pra mim, é mirar nessas características e procurar emulá-las.

    Trabalho com um site de emagrecimento e o que vejo é uma caracteristica comum em todas as pessoas que conseguiram perder peso: ELas, em algum momento, deixaram de ser vitimas das circunstancias e tomaram o controle.

    Mas eu entendo o lado socialista da coisa. Eles precisam que as pessoas não acreditem que possam tomar o controle, para impor sua ideologia. E assim criam-se fracassados em massa.

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    1. Verdade, Maurício.

      Aqui no Brasil casos como o de Sidney são jogados ao escanteio por puro deboche intelectual. As pessoas se vitimizam demais e culpam os outros. A vitimização é apenas uma limite, uma barreira auto imposta. As vejo muito que as pessoas se questionam se vale a pena lutar esse tanto pra ser feliz. É como se tivesse o medo de dar certo. Mas na preguiça de agir prefere procurar culpados.

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    2. Correções: "um* limite..."; "Mas* vejo muito que..."

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  2. Exemplos práticos são excelentes para fazer com que o leitor assimile a ideia do texto e é esse o ponto mais forte nesse texto.
    Que todos possam se identificar com o exemplo do Sidney e buscar suas próprias vitórias.

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    1. Muito verdade, Vítor. Quando se fala que devemos fazer isso ou aquilo ninguém tem uma ideia do quanto é difícil ou se é possível. De certa forma tudo acaba caindo com um "ah, é só uma exceção" ou "foi sorte demais" ou "isso não passa de teoria". O bom exemplo legitima e torna possível que outros façam. "Se ele conseguiu, por que não eu?"

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  3. Existem aqueles que perseveram, mesmo diante de sua condição social e trajetória de vida. Obviamente, uma grande parte é desmotivada a cada dia com frases como a do inicio do texto contudo, é da vontade do cidadão escolher e tornar-se o que desejar.
    Vale ressaltar que o sistema é autossustentável e depende desses artifícios (atacando a todos) para manter-se girando. Procurar culpados de certa forma, é o escape para muitos que se acomodaram em sua condição mas, desde que o mundo é mundo uma única frase reluz uma certeza tão quanto a morte. O homem é senhor do seu próprio destino.

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    1. Boas observações, Lucas. O cidadão não pode se vitimizar e recuar diante dos problemas. Recuar só faz piorar.

      A questão que se vale perguntar é: o sistema é assim ou quem é limitado(a) e inescrupuloso deseja tornar o sistema desta forma? Existe muita Gerência de Chicote no mundo e muito disso em decorrência de antigas práticas de Administração (como na era da Revolução Industrial). Mas é pertinente para a sociedade continuar dessa forma? E as empresas não cresceriam mais se pudessem oferecer melhores condições tanto para o empregado e para o cliente? Muito do que Sidney presenciou não é nem por conta do mundo corporativo, mas da antiga e enraizada cultura brasileira melhor retratada em Casa Grande e Senzala por Gilberto Freyre.

      E é verdade, Lucas: "O homem é senhor do próprio destino". Cabe a cada um lutar pelo que lhe é mais valoroso na vida. Problemas sempre existirão, é preciso a coragem para enfrentá-los e não ter medo de que os supere e seja feliz.

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